segunda-feira, 28 de julho de 2014

Ao escritor com carinho


        O escritor curva a cabeça sobre o teclado do computador, embora tenha sensibilidade exigida para exercer, por vezes, seu penoso ofício; sua imaginação não daria conta de listar tudo que ao mesmo tempo acontece no mundo. 
         Há uma pena invisível escrevendo várias histórias, enquanto o escritor sua para dar luz a três ou quatro miseráveis linhas. Ele retira os olhos da tela, os permite descansar nas luzes da cidade, mas o céu noturno hoje não o inspira, porque ele está consternado diante de tão vasto mundo. O escritor percebe o quão superficial é o seu trabalho, uma vez que criar personagens e contar a história deles não organiza o caos que por ai existe.
        O escritor levanta da sua cadeira , fecha seu notebook, sem pensar em salvar sua dúzia de linhas escritas nas últimas horas. Passeia pela casa e não sabe se é inspiração mesmo que procura.           Na tv desligada, vê um homem de meia idade perplexo e talvez um pouco melancólico. Percebe, abruptamente, como o sol iluminando um quarto escuro, que enquanto conta mais uma história, há outras mais importantes para serem ditas. Ele é só um escritor de ficção. Não se aventura escrevendo distopias, gosta de dobrar a realidade e dela retirar universos improváveis.  Quantos finais felizes já narrou? Mais de uma centena. E as pessoas reais, em comparação, já estiveram apenas felizes por alguns minutos?
O escritor coça o queixo, precisa se barbear... Senta-se à mesa  da sala, talvez tenha perdido a inspiração de vez. Quem mandou querer ser engajado. Quanto ao mundo, além das notícias dos jornais, precisa de um solitário escritor recontando a dor e a alegria com palavras bonitas?Ou, como é o caso dele, escritor de narrativas fantásticas, mero descobridor de sentimentos esquecidos, tem alguma pertinência  colocar uma tela em cima do mundo e reescrevê-lo com rabiscos diferentes?
      Mais do que inspiração,  precisa de uma resposta.  Vale a pena transpassar a alma com sentimentos emprestados de outrem para tornar seu texto autêntico para um desconhecido? Tudo que sabe é que permitir-se inundar por emoções, muitas que nunca viveu, é o sacrifício a que se presta. Então,  pelo leitor nunca conhecido, percorre o vocabulário e encontra a melhor palavra. Uma vez feito seu trabalho, a história só se fará completa quando seu destinatário for cativado por ela. 
     Pequeno leitor, ainda tropeça em algumas palavras. Jovem leitora abraçada à garupa de um cavaleiro de armadura prateada. Experiente leitor, com o livro aberto no peito, sonha com um mundo fabricado que acabou de ler. Simples professora lê contos em seu tablet  e divaga sobre interpretações. Em comum, agradecem ao escritor que suspira e volta ao rascunho de repente motivado.

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