sábado, 28 de junho de 2014

Por que todas as mulheres devem ler Clarice Lispector?




      Apesar dos anos passados desde que Clarice Lispector escreveu seu último texto,  a presença dela continua constante graças ao frisson de suas frases nas redes sociais. Muitas pessoas postam as citações dela sem ao menos ter lido um texto inteiro desta maravilhosa escritora.
       Claro que na internet há muitos textos atribuídos à Clarice e a outros autores famosos que não são deles, talvez este seja o preço do sucesso. De qualquer forma, aqueles que só conhecem Clarice por intermédio de suas citações está perdendo um universo de doçura e beleza, pois todos os seus escritos, em especial os contos, trazem tantas particularidades da alma humana captadas pela sensibilidade clariceana.
    Todos deveriam ler Clarice Lispector, senão os romances que exigem um leitor muito amadurecido, pelo menos os contos e as crônicas cuja interpretação é mais simples, convém não confundir simplicidade com facilidade. Se todos não lerão Clarice, é premente que todas as mulheres, de todas as idades (ela escreveu também livros infantis!!!!) a leiam.
      Todas as mulheres deveriam ler Clarice, em primeiro lugar, porque encontrará um rápido acesso às emoções mais profundas. Através da pena lispectoriana, até uma leitora iniciante, se sentirá tocada pelo sentimento transcrito nas entrelinhas de cada conto, cada crônica. Portanto, mulheres, vocês devem ler Clarice para caminhar na estrada da sua sensibilidade. Nos textos dela, alcançará a compreensão da menina que um dia foi e da mulher que será ou é. 
     Outro bom motivo para ler Clarice é uma razão quase psicológica. Quem já fez terapia sabe que uma forma de melhora é nomear o que sente. Através dos textos de Clarice é possível se autoanalisar, por intermédio das personagens dos contos, e nas crônicas, pelo depoimento da mulher atrás da autora; e dar nome às emoções que ora estão à flor da pela ora estão adormecidas. Ressaltando ainda a excelente capacidade de Clarice em colocar seus personagens a uma jornada interior levando-os a uma epifania, isto é, perceber suas mais intrincadas emoções. O entendimento do personagem leva a leitora a uma catarse (de forma vicária). Uma das maravilhas da leituras é  colocar o leitor(a) para viver outra vida, percorrendo um caminho que pode vir a ser o seu.
     Todas as mulheres deveriam ler Clarice pelos mesmo motivos que gostam de ganhar flores: porque são bonitas, delicadas e transformam o dia e porque é bom ser lembrada. Quando se lê Clarice, percebe-se como ela limou o textos até compô-lo com palavras perfeitas, nada no texto dela é acidental, transparece na leitura que ela calculou tudo para dar ao leitor(a) a possibilidade de se comover, de sentir. Não é raro ao se debruçar em um texto dela e se ver dizendo: "É assim  que eu me sinto, é assim que me sentia..."
    A leitora de Clarice logo percebe que seus sentimentos são de mulheres de várias gerações e que a tecnologia mudou, mas a alma ainda é a mesma, os anseios são os mesmos, os medos são os mesmos.
    Toda mulher deve ler Clarice Lispector porque é muito bom ter uma amiga que te entende.
  
Que tal começar agora?

O milagre das folhas
       Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que são de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer – seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.

      Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.

Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzí--las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.

      Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.
Clarice Lispector

Nenhum comentário:

Postar um comentário