Ônibus quase vazio, pura raridade para o horário. Tipos diversos o habitam aqui e ali. Uma senhora de mãos postas sobre o colo olha o mundo com olhos de novidade. Um jovem cochila no banco da frente. Uma mulher cheia de brincos balança as pernas denunciando sua aparente expectativa. Todos vivos, corações pulsando, exalam alguma esperança. Vidas colocadas no mundo, talvez sonhando, talvez felizes, talvez apenas esperando. Alheio a essas reflexões, um homem com seu livro mora provisoriamente em outro mundo.
O balanço do ônibus não o retira da sua profunda atenção. Talvez leia ficção científica e está, então, temporariamente a salvo do mundo terrorista que se avoluma a nossa frente. Se lê poesia, embalado pela doçura e sonoridade das palavras, vê sua alma banhar-se com beleza.
Quem sabe o livro tem histórias engraçadas e para parecer equilibrado, se contorce de ri por dentro, enquanto olha por sobre os ombros para ver se não saiu correndo um furtivo sorriso.
Ele se movimenta no banco desconfortável, ignora o barulho, a conversa, a campanhia do ônibus, o livro deve ser muito interessante porque o deixa indiferente ao que acontece. Nas linhas da história, talvez agora seja um personagem dos romances de Austen ou Alencar e nesse instante salta do cavalo para salvar sua dama em perigo. Enquanto se imagina preso àquela narrativa, esquece sua árdua rotina, agarrando-se à segurança do final feliz que o estilo dos autores denuncia.
Pode ser que o livro seguro por aquelas mãos calejadas seja um drama que arranca lágrimas do mais frio espírito, e ele, agora, se esforça para conter a emoção. Se este mesmo for o caso, pobre homem, sua leitura o faz conhecer vidas tão ou mais sofridas do que a dele. Ao ler aquelas linhas, ele transpassa sua própria dor e de forma vicária, experimenta o sofrimento alheio, permitindo-se esquecer dos seus.
Contos de fada agradam a todos, não é impossível que este passageiro esteja visitando a infância e divaga como a vida passou rápido, quando, através desses contos curtos, ele volta a ser a criança que um dia foi. Outra hipótese é que ele tem uma criança em casa e precisa compreender direitinho a história para conta-la antes do filho ou neto ir dormir.
Se ele lê filosofia, talvez queira simplesmente descobrir como gerenciar o caos do mundo. Compreende-lo para muda-lo. Exercício extenuante fadado ao insucesso, portanto, ele deveria trocar de livro. Não seria uma ma ideia ler um pouco de histórias de terror... colocar o coração para bater mais depressa.
O homem tem um sobressalto e acorda da sua leitura assustado. Deve ter perdido a descida, é o que sua pressa deixa transparecer. Ele aperta a campainha, salta do onibus apressado, livro de baixo do braço, passadas rápidas para viver sua inevitável vida.
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