Do sofá, ela deslizou até o chão, ali ficou até que a tarde bonita de verão se tornasse uma noite de tempestade e trovoadas. No teto, ela vê as luzes dos automóveis passando clareando momentaneamente a penumbra em que está imersa.
Na sua fraqueza, já faz mais de vinte horas que não se alimenta, nem água bebeu. Obedecendo ao cliche da mulher trocada por mulher mais jovem, ela chorou até não haver mais lágrimas.
Ele foi embora, sem aviso prévio, sem uma grande discussão, exceto o grito mudo que até agora estilhaça o coração dela à semelhança de uma pedra quebrando um delicado vitral. Ela olha o passado em busca de seus erros, tentando perceber onde deixou de ter importância para ele. Será que foi o péssimo gosto musical dela? -pergunta-se desesperada. Em algum momento, se tornou rabugenta e cansada demais a ponto de não percebê-lo?
Sua mente gira e a culpa a condena impiedosamente. Culpada. Casamento desfeito. Solidão. Ela espera o relógio fazer os dias girarem e levar as lembranças que ele deixou nos móveis, nos livros ainda não lidos com as páginas dobradas nos trechos que ele mais gostou... Não teve coragem de jogar as coisas dele fora. Não admite que ele não voltará. As horas tristes se arrastam em contraste com a rapidez dos escassos momentos de paz. Momento em que crê em um retorno.
O que deve fazer agora? Voltar para sua antiga cidade, rever seus parentes e amigos, chorar no ombros deles? Ou continuar na janela até tarde na esperança de que o carro dele desponte na esquina e um marido pródigo venha de joelhos pedir perdão? Amanhã não poderá fugir do trabalho, uma semana de ausência é tempo demais, afinal além de uma amor e de uma grande ilusão, ninguém morreu.
O dias obedecem a sua ordem e pouco a pouco um destino é construido, ela vagueia pelos lugares, está no trabalho, entretanto só uma parte dela se concentra no serviço. Observa o relógio, as horas se arrastam e nem todo remédio do mundo tem conseguido fazê-la dormir. É inútil qualquer palavra de conforto, é inútil formular qualquer teoria sobre o assunto. A dor continua ali, persistente, quase se tornado substantivo concreto em sua alma cansada.
Esperança? Tornou-se algo vago, aparecendo esporadicamente entre a angústia e o desespero. A esperança é uma palavra proibida, pois tudo que tinha por certo, agora é incerto. Não pode contar nem com sua própria companhia, uma vez que a pessoa que contempla no espelho - triste, chorosa, desanimada - é um espectro de quem foi um dia e não pode servir de apoio nem para si mesma. Das migalhas do que foi, não consegue formar nem meia mulher.
Atravessa o grande corredor do casarão antigo onde trabalha, evita o espelho. Seus passos rápidos ganham a rua e um dia bonito parece debochar da sua tristeza, ela desce os degraus, atravessa a rua e passeia pelo calçadão contemplando a praia cheia. Muitos aproveitam a tarde ensolarada para aproveitar o tempo extra que o horário de verão possibilita. Ela não aproveita nada, só observa. Observa as pessoas em pares, grupos de amigos, famílias enormes.
Na sua solidão, inveja aquele suposto amor gritado pelos desconhecidos. Julga-os mais felizes do que de fato são. Sente-se a dona das dores do mundo. Mais tarde, ela assistirá um programa sensacionalista, em meio aos gritos de um apresentador nervoso e fingindo-se indignado, ela se sentirá acompanhada, ao perceber que outros também estão sofrendo e a dor, como todos sabem, é parte da vida.
Há momentos que não sente mais nada, outros sente absurdamente o silêncio da ausência dele. Ela se odeia nas hora vagas. Há um remédio que cause amnésia? Inventaria um - devaneia com o impossível.
Um mês já passou, ele não voltará. Mas como uma tarde de sol após uma manhãzinha nublada, ela de repente se vê encantada. Receberá um presente em alguns meses.
E superando a dor, percebe que chamar aquele outro sentimento de amor é quase um sacrilégio em comparação com o Amor verdadeiro que hora se expande dentro dela. Sonha para ele ou ela um futuro promissor porque nem nasceu e já curou um coração. Então deverá ser como Luther King, Madre Tereza... Grandioso será o destino dele ou dela.
Ela reaprende a alegria, acha as tardes de verão lindas, vê graciosidade até na chuva que a pega desprevenida depois do trabalho. Como chamará seu encanto? Graça, dom, dádiva, todos se encaixam perfeitamente.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
domingo, 19 de outubro de 2014
Lírica
À semelhança da canção, ela também quer uma casa no campo, se não for pedir muito, que seja vizinha de um rio cuja profundidade fosse suficiente para se ter um barquinho ou uma jangada.
A casa poderia ser simples, alguns livros e lembranças da família bastariam somados a um jardim florido e árvore para construir um balanço. Sentada à margem do rio, veria os dias começarem e terminarem, ela não gostaria de receber notícias.
Em sua bolsa colocaria somente o necessário, de supérfluo levaria alguma maquiagem porque as noites estreladas campestres merecem tal homenagem.
Inicialmente, ela se incomodaria com os mosquitos, mas o que não pode acontecer é este mundo ter a oportunidade de magoá-la mais uma vez. De forma caseira, trataria das picadas dos insetos e no outro dia estaria com sua alma incólume novamente.
Não lamenta o que deixaria para trás, violência e medo não fazem falta a ninguém. As notícias das eleições não importariam mais, sem televisão ou internet, viveria em um mundo à parte, sentindo-se em um universo mais promissor e anos-luz mais tolerável.
Ela divaga sobre sua vida e deseja com toda força se livrar da angústia criada pela labuta diária de se reorganizar diante de uma sociedade que reverência o fugaz. Deixaria, portanto, sua vida sofisticada pela vida monótona do campo. Veria as horas passarem através do fluxo do rio. Maravilhada, entenderia a dimensão da palavra paz.
Sabe-se romântica, lírica, criança e boba até, porém é forte porque mantém a fé. Fé e esperança que nunca depositou neste mundo. Não crerá em mudanças gerais sem mudanças particulares, pensa determinada. Deixará capítulos de sua história como legado para aqueles que iguais a ela cansaram de se sentir fragmentados.
Pedirá às novas gerações que se seu coração se quebrar como tantas outras vezes aconteceu, joguem os pedaços ao mar. Levados pela água, talvez encontrem as antigas garrafas que guardam bilhetes de amor, juntos - sentimentos e palavras - contarão uma história bonita, nisso ela ainda acredita.
Por que ela quer o campo e não uma ilha particular? Porque as ilhas foram compradas por milionários, a exploração imobiliária não poupou nem o discurso politicamente correto e suas mansões donas de licenças ambientais chegaram ao fim do mundo.Quer uma casa no campo a várias horas de qualquer civilização.Ela quer o sossego que ver flores nascerem, morrerem e renascerem proporcionam. Quer, fazendo as contas direitinho, cuidar da sua alma tão delicada.
Manterá seus valores, expectativas, planos. Levará suas cicatrizes, superará as lembranças e deixará esse mundo anarquista apodrecer longe da doçura que ela tenta construir dentro e fora de si. Terá uma vida quase monástica, ficará velhinha relendo seus livros preferidos. São seus planos, simples tal qual a casinha no campo tão almejada.
Não é hábil com terra, talvez possa aprender a plantar e colher. De qualquer forma, quer ver o dia passar, ora olhará as estrelas do céu, ora o reflexo delas no rio. Verá também sua imagem mudar tendo a água como espelho, entretanto, lá, num lugarzinho bonitinho que lembra cantigas de infância, esperará a eternidade.
Não é hábil com terra, talvez possa aprender a plantar e colher. De qualquer forma, quer ver o dia passar, ora olhará as estrelas do céu, ora o reflexo delas no rio. Verá também sua imagem mudar tendo a água como espelho, entretanto, lá, num lugarzinho bonitinho que lembra cantigas de infância, esperará a eternidade.
domingo, 12 de outubro de 2014
A aniversariante
A casa está enfeitada, parte do sol se pôs ali hoje. É o aniversário dela. Usa maquiagem e roupas novas. O vestido é simples, mas ela se sente florescendo e aprendendo. Porque hoje o dia é especial, permite convencer-se de que é a mulher mais bonita do mundo. Só por hoje.
O céu de quase verão está mais do que azul, ela pergunta à moça refletida no vidro da janela onde está a menina otimista que um dia foi. Volta-se para o espelho, colocado atrás da porta, não deixa de perceber que o tempo passou e a vida a modificou. Ainda ontem, ela era uma menina que gostava de escrever histórias e desenhar, hoje apenas sabe que deverá perdoar a passagem do tempo e, de cabeça erguida, renascer sempre.
Quanto aos seus sonhos, como fará para realizá-los? Nunca prescindirá da sua fé, responde para si mesma, decidida. Alguns sonhos mudaram, outros se modificaram e alguns deixou propositalmente pela estrada porque eram inviáveis, portanto teimar era sofrer demais.
A aniversariante rodopia em frente ao espelho. Sabe-se adulta, mas a criança que um dia foi nunca desaparecerá de vez. Isso é facilmente percebido na ingenuidade mostrada ao encarar alguns obstáculos da vida. É criança porque ainda faz birra. É criança também no sorriso maroto que a cara adulta tenta disfarçar.
De vez em quando, quer viajar para dentro dos seus livros favoritos, porque o mundo a tortura demais. E por falar em mundo, a aniversariante deverá continuar insistindo, brigando, para que ele seja o que ela acredita que ele deve ser ou se resignará nobremente, com a sensação cuja máxima será "Fiz todo o possível"?
Repara na delicadeza do tecido florido que compõe seu vestido e gostaria de um mundo consertado. Simples assim. Acordar com um mundo renovado de presente. Ela gosta de fantasiar finais felizes impossíveis e guarda na sua alma um romantismo só visto na literatura dos anos 1800.
É conselheira, divertida, às vezes simpática. Sempre emotiva, mesmo ao gabar-se de forte. Sua fragilidade se torna sua força, quando compreende a dor dos outros, sabendo que a sensibilidade diante do sofrimento alheio é um diamante raramente encontrado por ai.
Ela assiste a tv, tem enxaqueca, não é imune. Conhece a tristeza como pouca gente da sua idade. É alegre, principalmente quando compra roupas e acessórios, porém não confia em promessas de felicidade porque a vida deve ser vivida hora a hora.
Alguns dias a esperança escorre do seus dedos e ela precisa montar seu coração como uma criança brincando com um quebra-cabeça, ao fazer este custoso trabalho, ela acrescenta mais humildade aos seus sentimentos para torná-los, quem sabe, inquebráveis. Ela cantarola em inglês, faz dieta e exercícios, é dinâmica. Mas não sabe que, nos olhos dela, o mundo tem um reflexo mais bonito.
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Ao professor com carinho
É mais um dia comum. O professor nem lembra da sua data. Acorda apressado, tateando pelo escuro, procura seus óculos no criado-mudo e esbarra nos livros que lê, deixando tudo cair. Banho para despertar e café, companheiro de longa data, ajudará na concentração.
É cedo ainda, o sol desponta no céu, já reinando absoluto. O professor cantarola sua música preferida e se pergunta: quantas vezes já fez este trajeto até a escola? Incontáveis vezes. Quantas aulas já preparou? Quantas avaliações? Quantos alunos? Impossível saber.
Tudo que sabe é que possui um ofício e nesse exercício experimenta diversas emoções. Tantas vezes dobrou seus problemas e os guardou no bolso da camisa antes de entrar na sala de aula. Outras vezes, a motivação que o professor tinha cabia em uma colher de chá, mesmo assim a multiplicou para dezenas de alunos.
É mágico, sensível, psicólogo, amigo. Ao vestir tantos papéis, aprende a arte de ensinar. Se empresta e acompanha as mudanças da sua alma como o marinheiro analisando as marés. Já entrou na sala leve, saiu carregando o mundo. Assistiu aos jornais e o universo pareceu estar sob sua tutela, mas a turma estava interessada e o curou provisoriamente de sua angústia.
Ele podia apenas cumprir uma tarefa, mas como não se emocionar com a matéria que ensina? Vê tanta beleza no conhecimento que se não deixar sua voz reverberar, tem certeza de que implodirá, tornando-se poeira igual àquela que sobrava em suas mãos do antigo giz.
É professor e jardineiro, lança a semente à espera de que frutifique até mesmo no concreto. Ele é, inclusive, contorcionista, quando precisa encaixar tantos saberes em escasso tempo. É um pouco profeta ao anunciar:"Se vocês não estudarem..." Tem paciência de avô, mesmo quando jovem. Estudo, dedicação e tempo tornaram-lhe muito mais eficiente do que o google, por isso conserva a austeridade da antiga Barsa, só que em uma roupagem mais moderna.
Como professor aprende todos os dias a perdoar. Perdoa a ingratidão do tempo e do sistema. Perdoa os dias que correm adulterando sua imagem no espelho. O professor, em sua sala de aula, quando retira seus olhos do quadro e olha para a turma, percebe quantos anos sobre ele já passaram. Parece com uma antigo carvalho tentando sobreviver às alegrias e provações das estações.
É humilde o bastante para saber que não é super-herói, dói saber que não salvará o mundo como um dia planejou, mas faz bem a sua parte ao dizer aos seus alunos que juntos, quem sabe, construirão um amanhã mais bonito.
Sabe que marcou alguns corações, sabe que seu nome é a senha de e-mail ou da conta no banco de muita gente. Alguns alunos sorriem ao se lembrar dele porque ele sorri quando se sente parte do progresso deles. Nos dias mais difíceis, as lembranças o embalam. Merece reconhecimento, abraço sincero, livros, pois seu trabalho não é um trabalho apenas. Ele não é um operário executando uma repetitiva função, é, antes de tudo, um construtor de vidas.
Lá vai ele caminhando pelo corredor da escola, passo apressado, livro debaixo do braço, veste simplicidade para ensinar e aprender. Talvez o professor nem pense nisso, entretanto o que ele mais ensina é esperança.
I
É cedo ainda, o sol desponta no céu, já reinando absoluto. O professor cantarola sua música preferida e se pergunta: quantas vezes já fez este trajeto até a escola? Incontáveis vezes. Quantas aulas já preparou? Quantas avaliações? Quantos alunos? Impossível saber.
Tudo que sabe é que possui um ofício e nesse exercício experimenta diversas emoções. Tantas vezes dobrou seus problemas e os guardou no bolso da camisa antes de entrar na sala de aula. Outras vezes, a motivação que o professor tinha cabia em uma colher de chá, mesmo assim a multiplicou para dezenas de alunos.
É mágico, sensível, psicólogo, amigo. Ao vestir tantos papéis, aprende a arte de ensinar. Se empresta e acompanha as mudanças da sua alma como o marinheiro analisando as marés. Já entrou na sala leve, saiu carregando o mundo. Assistiu aos jornais e o universo pareceu estar sob sua tutela, mas a turma estava interessada e o curou provisoriamente de sua angústia.
Ele podia apenas cumprir uma tarefa, mas como não se emocionar com a matéria que ensina? Vê tanta beleza no conhecimento que se não deixar sua voz reverberar, tem certeza de que implodirá, tornando-se poeira igual àquela que sobrava em suas mãos do antigo giz.
É professor e jardineiro, lança a semente à espera de que frutifique até mesmo no concreto. Ele é, inclusive, contorcionista, quando precisa encaixar tantos saberes em escasso tempo. É um pouco profeta ao anunciar:"Se vocês não estudarem..." Tem paciência de avô, mesmo quando jovem. Estudo, dedicação e tempo tornaram-lhe muito mais eficiente do que o google, por isso conserva a austeridade da antiga Barsa, só que em uma roupagem mais moderna.
Como professor aprende todos os dias a perdoar. Perdoa a ingratidão do tempo e do sistema. Perdoa os dias que correm adulterando sua imagem no espelho. O professor, em sua sala de aula, quando retira seus olhos do quadro e olha para a turma, percebe quantos anos sobre ele já passaram. Parece com uma antigo carvalho tentando sobreviver às alegrias e provações das estações.
É humilde o bastante para saber que não é super-herói, dói saber que não salvará o mundo como um dia planejou, mas faz bem a sua parte ao dizer aos seus alunos que juntos, quem sabe, construirão um amanhã mais bonito.
Sabe que marcou alguns corações, sabe que seu nome é a senha de e-mail ou da conta no banco de muita gente. Alguns alunos sorriem ao se lembrar dele porque ele sorri quando se sente parte do progresso deles. Nos dias mais difíceis, as lembranças o embalam. Merece reconhecimento, abraço sincero, livros, pois seu trabalho não é um trabalho apenas. Ele não é um operário executando uma repetitiva função, é, antes de tudo, um construtor de vidas.
Lá vai ele caminhando pelo corredor da escola, passo apressado, livro debaixo do braço, veste simplicidade para ensinar e aprender. Talvez o professor nem pense nisso, entretanto o que ele mais ensina é esperança.
I
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
O homem, o livro e o ônibus
Ônibus quase vazio, pura raridade para o horário. Tipos diversos o habitam aqui e ali. Uma senhora de mãos postas sobre o colo olha o mundo com olhos de novidade. Um jovem cochila no banco da frente. Uma mulher cheia de brincos balança as pernas denunciando sua aparente expectativa. Todos vivos, corações pulsando, exalam alguma esperança. Vidas colocadas no mundo, talvez sonhando, talvez felizes, talvez apenas esperando. Alheio a essas reflexões, um homem com seu livro mora provisoriamente em outro mundo.
O balanço do ônibus não o retira da sua profunda atenção. Talvez leia ficção científica e está, então, temporariamente a salvo do mundo terrorista que se avoluma a nossa frente. Se lê poesia, embalado pela doçura e sonoridade das palavras, vê sua alma banhar-se com beleza.
Quem sabe o livro tem histórias engraçadas e para parecer equilibrado, se contorce de ri por dentro, enquanto olha por sobre os ombros para ver se não saiu correndo um furtivo sorriso.
Ele se movimenta no banco desconfortável, ignora o barulho, a conversa, a campanhia do ônibus, o livro deve ser muito interessante porque o deixa indiferente ao que acontece. Nas linhas da história, talvez agora seja um personagem dos romances de Austen ou Alencar e nesse instante salta do cavalo para salvar sua dama em perigo. Enquanto se imagina preso àquela narrativa, esquece sua árdua rotina, agarrando-se à segurança do final feliz que o estilo dos autores denuncia.
Pode ser que o livro seguro por aquelas mãos calejadas seja um drama que arranca lágrimas do mais frio espírito, e ele, agora, se esforça para conter a emoção. Se este mesmo for o caso, pobre homem, sua leitura o faz conhecer vidas tão ou mais sofridas do que a dele. Ao ler aquelas linhas, ele transpassa sua própria dor e de forma vicária, experimenta o sofrimento alheio, permitindo-se esquecer dos seus.
Contos de fada agradam a todos, não é impossível que este passageiro esteja visitando a infância e divaga como a vida passou rápido, quando, através desses contos curtos, ele volta a ser a criança que um dia foi. Outra hipótese é que ele tem uma criança em casa e precisa compreender direitinho a história para conta-la antes do filho ou neto ir dormir.
Se ele lê filosofia, talvez queira simplesmente descobrir como gerenciar o caos do mundo. Compreende-lo para muda-lo. Exercício extenuante fadado ao insucesso, portanto, ele deveria trocar de livro. Não seria uma ma ideia ler um pouco de histórias de terror... colocar o coração para bater mais depressa.
O homem tem um sobressalto e acorda da sua leitura assustado. Deve ter perdido a descida, é o que sua pressa deixa transparecer. Ele aperta a campainha, salta do onibus apressado, livro de baixo do braço, passadas rápidas para viver sua inevitável vida.
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