No meu novo nervosismo, tenho a mania de tamborilar meus dedos e faço isso agora, escondido entre a cortina e a parede. As luzes do meu quarto de hotel estão apagadas. Para falar a verdade, não é um quarto, é uma suíte presidencial, com vistas para o mar.
Olho a multidão lá embaixo, algumas horas atrás acenei para eles. Sorri. Mostrei-me feliz nas redes sociais. Interpretei meu papel de celebridade. Amanhã, se der sorte de conseguir dormir, acordarei com uma ressaca federal, soma de cerveja, vinho, whisky, vodca e sei lá o quê.
Olho a praia, vejo as ondas correrem e morrerem na areia. Tenho más ideias. Vestir a minha pele tem sido um exercício extenuante. Apesar de milionário, não estou onde queria estar. Quem disse que dinheiro não traz felicidade, não sabia a verdade de suas palavras, a menos que fosse uma pessoa como eu. Mas não sou uma pessoa, ser pessoa significa dizer ter direitos e deveres, vontades e esperança, eu sou um produto com sobrevida limitada pelo interesse que desperto. A minha popularidade já rendeu muito tempo e levou toda a minha alegria.
Inclusive, eu já passei da idade, qualquer hora vão descobrir que eu e essa mesa de centro temos muito em comum: duas camadas de verniz e por baixo dele, somos madeira vagabunda. Na minha lápide deverão escrever: uma vida que não foi uma vida. Eu era jovem e não sabia que vender minha imagem, me levaria junto. Não ser eu mesmo é um preço muito alto a pagar.
Compus músicas de sucesso, cujo nível intelectual se iguala ao de um mico de circo. Produzi entreterimento, mas sob o verniz, por muito tempo, acalentei a esperança de ser um pianista. Voltaria atrás só pra me avisar que trocar minha música, meu verdadeiro talento, produziria um homem melancólico; cambaleante entre a bebedeira e o sono.
Sou a peça de um quebra-cabeça colocada na caixa errada e agora observo amargurado o jogo montado. Não encaixo em lugar nenhum, nem dentro de mim. De cinco em cinco minutos, meu produtor vem conferir se estou bem, ou se não me matei de tanto beber.
Amanhã o meu jatinho particular sobrevoara a orla marítima. Do céu, verei a praia cheia. Invejo a vida dessas pessoas, elas conseguem desfrutar um dia de verão em família, conseguem ter uma família. Romantizo a rotina deles, provavelmente são assalariados, escolhem qual conta pagarão no mês, sorriem sem nenhum vintém no bolso, e são premiados pela esperança.
Eu me traí. Fui atraído para o sucesso. O sucesso me arruinou, estou nos jornais, na tv, respondo as mesmas perguntas de sempre. As pessoas me ouvem como se eu tivesse algo de interessante a dizer, quando não tenho. As pessoas seguem meu exemplo, vestem o que eu visto, querem estar perto de mim e anestesiam suas vidas me idolatrando. Alguém deveria dizer a elas que sobre a minha cabeça o que paira é uma balão de ilusão. Não há nenhuma estrela guiando meu caminho.
O personagem que sou é superficial e clichê, habitando uma história ruim com diálogos repetidos. Assisto ao meu filme de um lugar privilegiado, estou preso em mim tentando implodir a minha história, antes que eu mesmo imploda.
Não tenho amigos, os que aparecem de vez em quando, vem para usar um pouco do meu suposto sucesso. Eu deveria cortar os pulsos ou fugir para o Alasca. No primeiro caso, estaria nas manchetes amanhã e em qualquer lugar eles me encontrariam. Vou me jogar da sacada, cair sobre o público.
Na última sessão de fotos para mais uma revista de celebridade cujo nome já esqueci, enquanto os flashes embaçavam minha visão e o fotógrafo andava para lá e para cá, eu me sentia sentado na sala de espera da minha vida. Só que meu nome nunca é chamado. Não há uma sala em que deva entrar. Estou congelado, e as rugas que apontam em meu rosto me lembram de que o tempo está passando enquanto perco tempo.
Qual poeta disse que perdeu o bonde e a esperança? Drummond? Preciso de esperança para acreditar que se a porta ficar entreaberta alguma esperança chegará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário