terça-feira, 5 de janeiro de 2016

As mulheres que se dizem feministas não são tão feministas quando dizem ser

     Se ser feminista é lutar para que as mulheres tenham os mesmo direitos do que os homens, inclusive o mesmo salário quando exercem a mesma função e, obviamente, o mesmo respeito, então nesse aspecto eu sou feminista. Agora se ser feminista se restringe a ter uma padrão de comportamento que se assemelhe aos (alguns) homens, eu não sou feminista.
     Eu não sou leitora da Simone de Beauvoir, por isso vou me deter na citação dela que causou um certo frisson no ENEM do ano passado: "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino." Assim o ser mulher/se tornar mulher nada mais é do que uma construção social, portanto quando um bebê nasce menina, em algum tempo se ajustará ao papel que a sociedade patriarcal impõe. Mas o papel de (supostamente) dominador também é imposto ao homem, não é?  Aqui eu deveria deixar umas linhas para alguém bater no Cristianismo ao dizer o quanto ele dividiu/definiu/estragou a sociedade e blábláblá ao trazer uma cultura patriarcal. Só que esse tipo de argumento me dá sono, pois não traz nada de novo, exceto mimimi antirreligioso. 
   É claro que a ideia de direitos iguais não é só feminista, é humana, e óbvia. Entretanto, algo que o feminismo fez que não merece aplausos é impor o padrão do comportamento sexual masculino às mulheres. Como se um comportamento sexual mais liberal ensinado por séculos aos homens fosse um padrão a seguir e uma forma de estar mais livre. Viver dessa forma também não é uma construção social? Será que a ausência de um padrão em uma sociedade também não é um padrão imposto e aqueles que não se curvam ao padrão (ou a suposta ausência dele) também não se marginalizam em um mundo pós-moderno como as mulheres foram marginalizadas em séculos passados? Eu respondo sim para as duas perguntas.
    Eu acho que poderia dizer assim: "No meu tempo" mulheres e homens eram ensinados que o corpo é sagrado e não deve ficar à merce dos seus próprios desejos por aí, porém como não quero soar ultrapassada, vou poupá-los de mais palavras sobre isso, Vou voltar ao feminismo de hoje em dia.
    Quando eu converso com  mulheres da minha idade e com as minhas alunas, eu não as acho tão feminista como a mídia diz. Não são tão liberais assim quanto vemos na TV. Aliás, conheço muitas mulheres que só são feministas na liberação sexual, quando o assunto é buscar a sua independência financeira, elas torcem o nariz. 
    Todos nós sabemos o sucesso que a coleção Cinquenta tons de cinzas fez entre as mulheres. Esse será meu ponto de argumentação quando no título disse que "As mulheres que se dizem feministas não são tão feministas quando dizem ser". 
     Se é verdade que a maioria esmagadora de leitores do Cinquenta Tons são mulheres, essas mulheres não são feministas. Todos conhecem a história, um pequeno resumo para lembrar: jovem humilde conhece homem poderoso, rico, bonito e dominador e aceita fazer todas as vontades dele porque está apaixonada. Nesse interim, ele a enche de bens de grife e a persegue de modo obsessivo, convencendo-a a fazer todas as suas vontades sexuais.  Analisemos os números, na nota de rodapé estão as referências:
1) "Grey", o mais recente livro da saga "Cinquenta tons de cinza", da autora britânica E.L. James, bateu recorde de vendas na primeira semana após o lançamento;
2) O trailer de "Cinquenta Tons" é o mais assistido em 2014;
3) Trilogia "Cinquenta tons de cinza" já vendeu mais de 5,5 milhões de cópias.

    A pergunta de um mihão de doláres é: como uma história de uma mulher submissa em vários sentidos faz sucesso com mulheres feministas? Algúem vai dizer que é o sexo que faz sucesso. Mas ali o homem também é o dominador. Em outras palavras, ele oferece conforto e ela topa tudo. Existe algo mais machista do que comprar a vontade de uma mulher? Daqui ouço alguém dizer: "a Anastacia ama o Grey". Essa afirmação piora a conclusão, porque é o mesmo que mulheres vitimas de violêcia psicológica e física dizem para não saírem de um relacionamento abusivo.
   Por outro lado pode-se analisar o seguinte, muitas mulheres só são feministas em alguns aspectos, direitos iguais agradam a todas,mas o homem que levanta suspiros é o "das antigas". Particularmente, algo que gosto nos seriados policiais e nos livros românticos são os homens com a postura "deixa que eu resolvo". Eu não posso servir de exemplo porque não sou feminista. Ainda acho que o mais bonito em um homem é sua masculinidade, no sentido de cuidador e protetor (Aí de mim que sou romântica). 
     O fato é que Cinquenta tons lança uma sombra nos ideais feministas, uma delas é o tipo de homem que habita o imaginário de muitas mulheres. Forçando a vista, dá para perceber que Grey tem o fortuna dos prícipes encantados que assistimos na infância, só que no lugar do cavalo branco existe um helicóptero. Não estou defendendo o livro acima citado, defitivamente não é o meu tipo de leitura. O que estou dizendo que uma análise do sucesso do livro revela muito sobre as pessoas que o leem.
   Para terminar, o fato é que uma posição contruida socialmente pode ser abraçada livremente e conscientemente, Simone de Beauvoir. 
   




http://www.paranaonline.com.br/colunistas/contracapa/107859/TRILOGIA+CINQUENTA+TONS+DE+CINZA+JA+VENDEU+MAIS+DE+55+MILHOES+DE+COPIAS
http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2015/06/grey-novo-livro-50-tons-de-cinza-quebra-recorde-no-reino-unido.html
    
    

   
    

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

SOBRE PERDÃO E PERDOAR

C.S.Lewis¹ dizia que só há perdão quando se perdoa algo que não pode ser perdoado. Por mais paradoxal que essa afirmação pareça, perdoar é fazer algo humanamente impossível. Sozinhos nunca conseguiríamos perdoar, pois somos pobres descendentes de Adão. Quando o perdão acontece de fato é porque Deus "venceu" a vontade humana.
O homem/mulher sozinhos não conseguem fazer nada de bom. Todas as qualidades que temos (ou pensamos que temos) foram dadas gratuitamente por Deus. Se em nós há amor, bondade, amizade, solidariedade é porque Deus - fonte de tudo - nos têm dado gratuitamente.
Eu não me engano, reconheço que sou temperamental, e quando lembro das pessoas que me magoaram (ainda que sem intenção, o que eu duvido muito para ser sincera) só consigo desejar que elas paguem com juros do cartão de crédito o que me fizeram e há dias que desejo coisas bem piores para elas, cujos detalhes não vou esmiuçar aqui. Em outras palavras, a minha natureza humana clama por justiça e justiça segundo os meus parâmetros equivocados, tendenciosos, mesquinhos, egoístas.
A verdade é que nós não sabemos fazer justiça, não sabemos o que justiça significa porque só vemos o nosso lado da história e, por mais generosos que quisermos ser, ainda ficaremos devendo diante de um Deus conhecedor de cada detalhe da nossa personalidade, cuja sinceridade só Ele mesmo pode pescrutar.
Muitas pessoas, inclusive muitas delas cristãs, acham que a vontade delas de perdoar é suficiente para o perdão acontecer, se assim o fosse, eu já teria perdoado. O que quero dizer é que às vezes há vontade, entretanto algo bem mais complexo precisa acontecer: cura interior. Quando a cura acontece, o perdão vem junto. Alías, o perdão é parte da cura e a cura é o perdão. Porém, não se consegue perdoar se a ferida ainda sangra. Se o perdão é mérito de Deus, a cura também é.
Não adianta oferecer aos outros ou a si mesmo conselhos simplistas, por exemplo, "Mas tem que perdoar" (comos se fosse fácil), "Mas você é cristã"(se não me lembrassem, eu esqueceria rsrsrs),"Eles não fizeram por mal" (foi por bem então?) etc. Ironias à parte, nunca dou conselhos assim porque odeio explicações superficiais para dramas complexos.
Quem aconselha assim, deve (mesmo inconscientemente) se achar cheio de méritos próprios, algo que não existe, como sinalizei no início do texto. Ou nunca teve que perdoar nada, que sortudos! Quem foi magoado para valer, entende o quanto perdão pode parecer, a princípio, injusto. Contudo, o perdão é necessário para as duas partes, para o magoado e o "magoador". Porque é ele que te dará a oportunidade de recomeçar.
Já pensou se eu dissesse uma das frases acima para uma mãe cujo filho foi assassinado? Seja como for, um pouco de sensibilidade não faz mal a ninguém, assim, se tem algo que aprendi, é que quando desabafam com a gente, em geral, as pessoas não querem conselhos, mas precisam urgentemente serem ouvidas.
Parece que estou me esquivando da responsabilidade e colocando-a em Deus, não é isso. Há algo que posso fazer: reconhecer minha inteira dependência, colocando-me no lugar de necessitado, ou seja, alguém que sabe-se simples servo. Sabendo que em mim mesma não há nada de valor, que tudo que possuo é presente (graça) de Deus. Devo perdoar 70X7, se não perdoar também não serei perdoada, é o que a Bíblia ensina. Mas ainda não é fácil. Então eu oro para que Deus me ajude, nos ajude.

1 C.S.Lewis - apologista cristão. Autor dos livros As crônicas de Nárnia, Cristianismo Puro e simples etc.

domingo, 4 de outubro de 2015

Não quero ser magra, não mais.

Baleia, orca, free willie, botijão, bolão setenta cai no chão e se arrebenta,

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

15 de outubro - Dia do professor e... dia do aluno

 Eu sei o motivo do capitalismo adorar datas comemorativas (tenho certeza de que o Dia do professor não causa frisson nos comerciantes), contudo acredito que dias assim possibilitam, ou podem possibilitar, reflexões. Acho que o Dia do professor, educador, mediador, mestre ou como queiram chamar é uma boa oportunidade para salientar algumas peculiaridades do meu/nosso trabalho.
É bom lembrar que Dia do professor também é dia do aluno, pois os dois ganham folga, se algum político com trauma de escola não inventar de juntar o nosso dia com um feriado "mais importante", igual já aconteceu em anos anteriores.
 Seja como for, ao mencionar a palavra professor é - nas entrelinhas - falar de aluno. Em primeiro lugar porque todo professor já foi aluno, quando o contrário não é verdadeiro, afinal nem todo aluno será professor. Embora na vida, vez ou outra, passeamos pelos dois papéis, é só lembrar das relações humanas cotidianas: o pai ensinando os filhos a dirigir, os filhos o ensinando a mexer no smartphone, a mãe mostrando as suas crianças algumas responsabilidades, os pais descobrindo como precisam aprender a falar "não", a caçula ensinando a mais velha lições de maquiagem, um amigo contando ao outro as maravilhas de um livro...
Assim é a vida, e ser professor não é fácil porque lidamos com os sentimentos alheios e com os nossos. O aluno pode começar odiando a matéria e terminar odiando o professor e por vezes também é o contrário... O professor, por exemplo, pode pensar que a má vontade do aluno é algo contra ele, quando simplesmente é preguiça adolescente.
 Nesse microcosmo que é uma sala de aula, é comum se perder na técnica e na rotina, o que é um perigo para ambas as partes envolvidas.  Particularmente acho impossível o ensinar-aprender sem fazer uso do sentimento. Eu não conseguiria dar um passo sem que ouvisse meus sentimentos cantando para mim. Como ensinar alguma coisa ou aprender quando a alma não se sensibiliza? Por outro lado, é perigoso deixar-se tocar por sentimentos, porque expostos estão vulneráveis, podendo facilmente ser machucadas por aí.
 Em um só dia em minha sala de aula, experimento várias emoções: alegria, tristeza, entusiasmo,  apatia, desesperança... Quantas vezes a minha esperança era pouca para mim e a dividi em trinta partes. Outras vezes, relutei ao questionar o status quo da pós-modernidade  porque sabia que iria entristecer meus alunos, mas o fiz sabendo que  deixá-los caminhar às cegas causaria um dado maior. Foi no dia a dia da escola que descobri que não mudarei o mundo, mas devo ensinar como se fosse possível fazê-lo. Outras vezes me arrependi ao insistir no meu ponto de vista, quando o coração deveria ouvir calado. Também fiz um silêncio respeitoso, querendo falar tudo o que pensava e mais um pouco. Já desabafei com meus alunos, já os vi chorar e chorei com eles. Dei conselhos em situações que não vivi, me perguntei como alguém tão jovem suportava tanto sofrimento. Fiz amigos, testemunhei sonhos, partilhei meus livros. Contei, recontei  minhas histórias preferidas, dividi  minha paixão pelo Orgulho e Preconceito, C.S.Lewis e teologia, Alencar e Clarice Lispector. Conheci a ingratidão, já fui tratada com menos respeito do que merecia, isso também é verdade. Meus alunos sempre dizem que sou calma, mas e porque aprendi a contar até cem, duzentos...
Enquanto ensino, aprendo muito não só sobre português e literatura, aprendo sobre mim mesma e revejo minhas posturas. Ah, meus alunos me ensinam bastante sobre a cultura pop e, em uma conversa informal, aprendi que emprestar os ouvidos é uma grande gentileza.
Meus alunos já foram mais meus amigos do que muita gente que conheço há anos, muitos deles são mais inteligentes do que muitos acadêmicos à solta por aí. Em restrospecto, percebo que foram eles um dos poucos a me darem apoio em muitas situações. Tive problemas e os esqueci na sala de aula. E com muitos alunos não perdi o contato, passam anos e sempre nos falamos.
Também aprendi que não existem alunos difíceis de ensinar, desde que o coração esteja aberto. Mas há alunos impossíveis de ensinar: aqueles que não se sensibilizam, pessoas que são incapazes de olhar além de si mesmas, indivíduos cuja emoção é trancafiada. Por outros lado, aprendi em sala de aula a demonstrar mais meus sentimentos.
Acho que nenhum professor negará o fato de que nossa profissão é bastante solitária, embora estejamos cercados de gente. Talvez porque é inerente ao trabalho ter muita opinião ou porque convivemos pouco uns com os outros e, na correria diária, é difícil construir alguma identificação. A verdade é que houve dias em que esperava encontrar alguma solidariede, mas não consegui acessar a sensibilidade de ninguém. Não vou julgá-los, cada um sabe o que carrega no coração.
Foi entre meus colegas, inclusive, onde conheci pessoas extremamente generosas, donas de uma combinação rara de humildade e conhecimento.
Enfim, parada diante das minhas turmas, olhando-os nos olhos, me vejo anos atrás sentada em cadeiras semelhantes e, em alguma parte dentro de mim, ainda há uma adolescente assustada com o futuro.
Desejo aos meus alunos felicidade, mas não quero que a tenham a qualquer preço,  aceitando, inclusive,  ser felizes passando por cima dos sentimentos alheios. Não, o preço da felicidade não pode ser a alienação, portanto desejo que encontrem a paz em um mundo tão carente dela.
É muito difícil ser professor, mas ser simplesmente humano em um mundo desumano é o maior desafio.




sábado, 12 de setembro de 2015

Sob o legado de Cinquenta Tons de Cinza

  O significado da palavra legado se refere a uma herança deixada por alguém que morreu, entretanto quando se fala da herança do livro Cinquenta tons de cinza, deve-se ter em mente que esta história está longe de morrer. Muito pelo contrário, está em plena saúde e procriando, como prova o novo livro da série, Grey, versão em que o protagonista mostra sua perspectiva dos acontecimentos.
   Não estou aqui para criticar os leitores de literatura erótica (embora eu ache estranho colocar erótico e literatura na mesma linha), há gosto para tudo como provam os livros do Paulo Coelho. Reluto em não deixar duas linhas aqui para alguém me lembrar do livro Lolita e outros do mesmo gênero que deixaram sua marca na literatura e, embora não seja o meu tipo de leitura, devo reconhecer que têm seu mérito. Em um escritor talentoso, a própria escrita, a escolha das palavras, a tecitura e a força narrativa podem salvar um enredo. 
   Não é o caso do Cinquenta Tons e muito menos do segmento de livros que ele trouxe à tona. Infelizmente, acaba sendo assim mesmo, um livro faz sucesso e outros com temática semelhante proliferam no mercado editorial. 
Cada um tem o direito a ler o que quiser, mas não posso deixar de sinalizar alguns aspectos do crescimento desse tipo de livro. Se não me engando foi Oscar Wilde que disse: " Quem lê livros ruins não leva nenhuma vantagem sobre quem não lê livro nenhum." 
   O que sinceramente me ofende é chamar essas histórias de histórias românticas. Elas são tudo, menos românticas. Romântico é o Nicholas Sparks e, acreditem se quiser, é o único que têm salvado as leitoras e leitores do lugar-comum que Cinquenta tons criou. Quem tem uma vaga noção do estilo literário chamado Romantismo, em ascenção nos anos 1800, sabe que a marca dele é a epítome do sentimento, em outras palavras, as histórias românticas têm como objetivo falar sobre amor. Outras características desse estilo literário são/eram amor acima da razão, sacrifício, crença na eternidade do sentimento e da alma etc. 
    Por outro lado, se faz sucesso é porque tem que lê, como disse, não atacarei os leitores de livros eróticos, mas preciso fazer alguns apontamentos, pois sempre fui uma ávida leitora de romances e não consigo enxergar quase nenhum traço dele em Cinquenta Tons e seus filhotes. Particularmente, acredito que o tal Mr. Grey até poderia ser um herói romântico, carregando um passado nada promissor e depois ser salvo por uma mudança em seus sentimentos, porém não é isso que acontece. Na história é Anastácia que topa tudo em nome do amor que diz sentir, a autora deveria ler o livro Senhora para perceber como o amor pode (e faz) tremendas exigências. Me disseram que o protagonista muda no final e acaba se apaixonando de verdade, o que teria algum mérito se dois terços dos livros não tratassem de descrições sexuais. 
Não sei por que as pessoas dessa geração afirmam que  sexo ainda é tabu, não é desde a década de sessenta e caminha a passos largos para o total liberalismo. O que esses livros demonstram é que a sociedade ao quebrar o suposto  tabu do sexo precisou reinventá-lo, adoecê-lo (como Grey demonstra) para que ele tivesse outra vez alguma graça. O problema de se exaltar o sexo como força motriz dos relacionamentos é que, ao fazê-lo, se esvazia o sentimento, o amor fica em segundo, terceiro plano, perdendo seu apelo.
Nas histórias românticas, o personagem principal é salvo e salva através do amor.  É preciso ainda sinalizar que em uma história bem construida os personagens crescem à medida que se lê/relê os livros. É como se fosse uma pessoa de verdade e aos poucos se descobre os nuances da personalidade, os gostos, e o leitor não se cansa de analisá-los porque que são riquíssimos interiormente. Bom escritores capricham ao delinear seus personagens, demoram para desnudá-lo aos olhos do leitor e, ao tecer a história, capricha ao compor os sentimentos. A escrita tem algo de sublime porque toca a emoção de quem a lê, é uma conversa de emoção para emoção. Pelo menos é esse tipo de história que me marca e se torna parte da minha bagagem cultural. 
Clarice Lispector uma vez escreveu "Que não se esmaguem com palavras as entrelinhas", em um bom livro a sutileza é parte da graça, o leitor vai catando ao longo do texto os detalhes, as delicadezas, parando para refletir sobre o que cada acontecimento significa. Em um livro romântico, o amor é o personagem principal, e a sensualidade está exatamente no não dito: um gesto, um olhar, uma nova expressão. Um crítico de cinema fez uma boa observação sobre o filme Cinquenta tons, disse que era a história de sexo menos sensual que ele já viu. Não há nela e em seus pares espaço para o não-dito, para nuances... Talvez haja falta de vontade unida a uma baita falta de talento. Para ganhar dinheiro qualquer coisa serve.
Outro dia li um livro, ignorando o ditado popular "Não julgue um livro pela capa", onde a autora em duas páginas delineou os personagens, depois usou trinta para o encontro sexual dos rapaz e da moça. Alguém vai dizer que sou uma leitora exigente e meu parâmetro é Jane Austen e José de Alencar, não é verdade. Se pegarmos o muito popular Nicholas Sparks, como mencionei mais acima, verá que ele escreve histórias simples, cuja intenção é o entreterimento, mas os livros dele são exemplos de histórias de amor bem contadas, em especial os excelentes Um amor para recordar, Diário de uma paixão e Um porto seguro. Não é esnobismo, sempre li de tudo, até aqueles romancezinhos de banca  e alguns deles estão mais para Sparks do que Cinquenta tons.
Para finalizar, me preocupa a quantidade de livros em que o tema erotismo está em cena, por exemplo, os livros da escritora Julía Quinn. Ela tem uma série de livros que almejam ser romances de época, no entanto são histórias simplesmente sexuais, cujo enredo ela deve ter usado o recorta e cola do word para compor toda a sua série de livros. Outra - que no passado ocupou o posto de Sparks - é Nora Roberts. Essa autora criou quatro personagens ao escrever a sua aclamada série Quarteto de noivas que juntas não têm a expressividade, por exemplo, da Bella da série Crespúculo. Aqui vou fazer um parênteses para lembrá-los de que Cinquenta tons foi inicialmente fanfic do livros da Stephanie Mayer. Eu era fâ do Edward (ultrarromântico) que possuia uma ou duas qualidades como personagem, e a história era bem razoalvelzinha, perdendo, obviamente, para o fascinante A culpa é das estrelas. 
Sinceramente, esses livros eróticos tão em alta na atualidade não têm nenhuma relevância, a não ser sinalizar a decadência do sentimento fortificada pela pós-modernidade e a tentativa fracassada de destruir o bom gosto. 
O que me conforta é saber que todas essas historinhas juntas nunca terão a importância de Orgulho e preconceito, Razão e sensibilidade, Persuasão, Senhora, Dom Casmurro etc. Serão substituídas e esquecidas à medida que são lidas. Os literatos do futuro, se Deus quiser, rirão do mau gosto pós-moderno, negando-se a analisar esse tipo de história. Se eu estiver viva, direi: eu avisei.


domingo, 26 de abril de 2015

Submersa

    De alguma forma, as palavras de Chico Buarque se tornaram realidade. Essa história se passa alguns anos depois que o Rio de Janeiro se tornou uma cidade submersa. Com a água tendo subido até os pés do Cristo Redentor muitas pessoas foram transladadas para lugares bem mais altos.
   Estavam olhando a noite, analisando o possível aumento das marés, quando ele caiu no chão como se seu fluxo sanguíneo tivesse sido interrompido à semelhança da energia elétrica quando acaba. Os médicos deram todas as explicações científicas, porém nada a confortou. Ele está morto.

terça-feira, 21 de abril de 2015


    Quem escreve sempre se depara com o desafio do papel em branco ou da página do word e o cursor piscando à espera da primeira palavra, da frase inicial, do parágrafo introdutório do texto. Mas outros problemas rondam quem escreve, e não precisa ser um escritor consagrado para sentir na pele o desafio que é escrever. Nunca é fácil. Os alunos pensam que são só eles que sofrem com as palavras ou com a ausência delas na hora de começar a digitar uma redação, um trabalho escolar, um desabafo.
   Como eu dizia, todos que escrevem sofrem com a escrita porque escrever é como tornar um sentimento em um fato concreto, nomear é fazer existir. Assim, muitas vezes se escreve, mas o sentimento escrito não é uma representação total do que se sente. As palavras são limitadas, mesmo que o vocabulário seja muito sofisticado, E os sentimentos são, muitas vezes, impossíveis de explicar. Mesmo você falando, relembrando, adjetivando-os, sempre está faltando mais palavras. Em muitas situações da vida, preferimos o silêncio, não pela falta do que dizer, mas porque se tem muito a dizer. E ainda dizendo muito, falando tudo, ainda está, por dentro, aquele pedacinho intocável, "indizível".
   Dessa forma, escrever limita. Mesmo me limitando, eu escrevo. Escrevo com a esperança de mudar alguma coisa, ainda que seja para mudar algo dentro de mim. Escrevo na esperança de que, se alguém ler, se identifique, ou não se identifique, mas seja qual for o caso, terei alguém testemunhando meus sentimentos. Alguém além de mim mesma.
   As estações estão mudando depressa. Ainda ontem foi meu aniversário, e embora eu vivesse um inverno particular, era primavera em toda sua plenitude. Agora é outra estação. Dessa vez as águas de março não fecharam o verão. Vivemos escassez de chuva e de sentimentos. Mesmo escrevendo tentando descrev