Eu sei o motivo do capitalismo adorar datas comemorativas (tenho certeza de que o Dia do professor não causa frisson nos comerciantes), contudo acredito que dias assim possibilitam, ou podem possibilitar, reflexões. Acho que o Dia do professor, educador, mediador, mestre ou como queiram chamar é uma boa oportunidade para salientar algumas peculiaridades do meu/nosso trabalho.
É bom lembrar que Dia do professor também é dia do aluno, pois os dois ganham folga, se algum político com trauma de escola não inventar de juntar o nosso dia com um feriado "mais importante", igual já aconteceu em anos anteriores.
Seja como for, ao mencionar a palavra professor é - nas entrelinhas - falar de aluno. Em primeiro lugar porque todo professor já foi aluno, quando o contrário não é verdadeiro, afinal nem todo aluno será professor. Embora na vida, vez ou outra, passeamos pelos dois papéis, é só lembrar das relações humanas cotidianas: o pai ensinando os filhos a dirigir, os filhos o ensinando a mexer no smartphone, a mãe mostrando as suas crianças algumas responsabilidades, os pais descobrindo como precisam aprender a falar "não", a caçula ensinando a mais velha lições de maquiagem, um amigo contando ao outro as maravilhas de um livro...
Assim é a vida, e ser professor não é fácil porque lidamos com os sentimentos alheios e com os nossos. O aluno pode começar odiando a matéria e terminar odiando o professor e por vezes também é o contrário... O professor, por exemplo, pode pensar que a má vontade do aluno é algo contra ele, quando simplesmente é preguiça adolescente.
Nesse microcosmo que é uma sala de aula, é comum se perder na técnica e na rotina, o que é um perigo para ambas as partes envolvidas. Particularmente acho impossível o ensinar-aprender sem fazer uso do sentimento. Eu não conseguiria dar um passo sem que ouvisse meus sentimentos cantando para mim. Como ensinar alguma coisa ou aprender quando a alma não se sensibiliza? Por outro lado, é perigoso deixar-se tocar por sentimentos, porque expostos estão vulneráveis, podendo facilmente ser machucadas por aí.
Em um só dia em minha sala de aula, experimento várias emoções: alegria, tristeza, entusiasmo, apatia, desesperança... Quantas vezes a minha esperança era pouca para mim e a dividi em trinta partes. Outras vezes, relutei ao questionar o status quo da pós-modernidade porque sabia que iria entristecer meus alunos, mas o fiz sabendo que deixá-los caminhar às cegas causaria um dado maior. Foi no dia a dia da escola que descobri que não mudarei o mundo, mas devo ensinar como se fosse possível fazê-lo. Outras vezes me arrependi ao insistir no meu ponto de vista, quando o coração deveria ouvir calado. Também fiz um silêncio respeitoso, querendo falar tudo o que pensava e mais um pouco. Já desabafei com meus alunos, já os vi chorar e chorei com eles. Dei conselhos em situações que não vivi, me perguntei como alguém tão jovem suportava tanto sofrimento. Fiz amigos, testemunhei sonhos, partilhei meus livros. Contei, recontei minhas histórias preferidas, dividi minha paixão pelo Orgulho e Preconceito, C.S.Lewis e teologia, Alencar e Clarice Lispector. Conheci a ingratidão, já fui tratada com menos respeito do que merecia, isso também é verdade. Meus alunos sempre dizem que sou calma, mas e porque aprendi a contar até cem, duzentos...
Enquanto ensino, aprendo muito não só sobre português e literatura, aprendo sobre mim mesma e revejo minhas posturas. Ah, meus alunos me ensinam bastante sobre a cultura pop e, em uma conversa informal, aprendi que emprestar os ouvidos é uma grande gentileza.
Meus alunos já foram mais meus amigos do que muita gente que conheço há anos, muitos deles são mais inteligentes do que muitos acadêmicos à solta por aí. Em restrospecto, percebo que foram eles um dos poucos a me darem apoio em muitas situações. Tive problemas e os esqueci na sala de aula. E com muitos alunos não perdi o contato, passam anos e sempre nos falamos.
Também aprendi que não existem alunos difíceis de ensinar, desde que o coração esteja aberto. Mas há alunos impossíveis de ensinar: aqueles que não se sensibilizam, pessoas que são incapazes de olhar além de si mesmas, indivíduos cuja emoção é trancafiada. Por outros lado, aprendi em sala de aula a demonstrar mais meus sentimentos.
Acho que nenhum professor negará o fato de que nossa profissão é bastante solitária, embora estejamos cercados de gente. Talvez porque é inerente ao trabalho ter muita opinião ou porque convivemos pouco uns com os outros e, na correria diária, é difícil construir alguma identificação. A verdade é que houve dias em que esperava encontrar alguma solidariede, mas não consegui acessar a sensibilidade de ninguém. Não vou julgá-los, cada um sabe o que carrega no coração.
Foi entre meus colegas, inclusive, onde conheci pessoas extremamente generosas, donas de uma combinação rara de humildade e conhecimento.
Enfim, parada diante das minhas turmas, olhando-os nos olhos, me vejo anos atrás sentada em cadeiras semelhantes e, em alguma parte dentro de mim, ainda há uma adolescente assustada com o futuro.
Desejo aos meus alunos felicidade, mas não quero que a tenham a qualquer preço, aceitando, inclusive, ser felizes passando por cima dos sentimentos alheios. Não, o preço da felicidade não pode ser a alienação, portanto desejo que encontrem a paz em um mundo tão carente dela.
É muito difícil ser professor, mas ser simplesmente humano em um mundo desumano é o maior desafio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário