É mais um dia, ele chega ao seu trabalho e contempla silente o imenso jardim que o espera. Tem tanto a fazer, seu ofício não se resume apenas a aparar a grama. Sem saber, ele é quase um artista. Não porque enfeita jardins escolhendo as flores mais bonitas, cortando folhas secas, distribuindo sementes. Mas ele é, ao mesmo tempo que jardineiro, o regente de uma orquestra.
Claro que obedece às estações, entretanto são suas mãos experientes que, tal qual a mãe embalando um filho, possibilita a vida. Não é seu sopro que origina o nascimento, ele é humilde o suficiente para saber-se simples intermediário, são os seus cuidados zelando o crescimento que faz dele tão necessário.
Curvado, escavando a terra para abrigar a promissora semente, ele é tudo agora, menos um homem comum, abre o caminho para beleza. Talvez sem saber, outras vezes sabendo, o jardineiro cultiva o jardim com indizível doçura.
Ao vê-lo sozinho, julgam-no solitário, não, a terra sob seus pés em silêncio sobrevive a histórias. Ela é memória de tantas flores que ali viveram, morreram e renasceram. Ao regar a preciosa semente, ele ouve o canto da beleza.
Sob as abas de um chapéu de palha, com a meticulosidade de um cirurgião, ele poda aqui e ali os galhos que ressecaram sem saber a metáfora da sua vida que a natureza acaba de contar. Ao dedilhar as sementes, adubá-las, regá-las, ele não espera nenhuma notoriedade, seu trabalho não faz o que hoje se entende por sucesso, na verdade, ele nada espera porque sabe-se mero guardião. A semente pode até mesmo ser semeada pelo vento, mesmo em um solo de concreto, porque há uma autoridade subjacente a qualquer ação humana, e no fundo do peito ele sabe disso.
Apesar do seu esmero algumas plantas precisam de especial cuidado. Ao perceber que a raiz está enferma, ele corta o frágil galho e o sutura em uma base mais promissora. Ele não desconfia, não pensa sobre o delicado assunto, entretanto ao enxertar, salva um pouco o mundo do prometido deserto de cimento há anos perpetrado pela construção de arranha-céus.
É fim de tarde, o solzinho de inverno desaparece sobre a sua cabeça dando lugar a uma fina garoa. O jardineiro ainda tem trabalho a fazer, colhe algumas rosas, seus dedos grossos não reclamam dos espinhos. Talvez ele esteja habituado à beleza, mas nunca será indiferente ao encanto dela.
As rosas, lírios, gardênias, margaridas, acácias e variadas espécies pela manhã terão diversos propósitos: alegrarão uma sala vazia, presentearão o enfermo, homenagearão uma dedicada amiga, estarão na lapela do noivo e a noiva, cheia de expectativas, estará mais bonita também graças a elas e a igreja caprichosamente ornada. Onde as flores estiverem, todos serão lembrados do trabalho de um humilde jardineiro.